terça-feira, 10 de dezembro de 2013

I. Os sonhos

    Caminhava calmamente, observando com fascinação a paisagem ao seu redor, não sabia onde estava e muito menos como havia chego até ali. O lugar revelara-se encantador e sombrio ao mesmo tempo, um paradoxo perfeito entre a realidade e os sonhos. Altos pinheiros pareciam cortar o veludo negro que o céu se tornara, uma imensidão de trevas enlaçada com um ponto de luz solitário, a lua estava em seu auge, cheia e brilhante, iluminando parcialmente os lentos passos da menina. Galhos mais baixos arranhavam sua face e corpo, o quebrar das folhas sob seus pés parecia se unir as canções noturnas, era apenas mais uma leve e sinistra melodia em meio aos sonetos daquela floresta assombrada. Um arrepio percorreu-lhe todo o corpo. Uma delicada brisa surgiu para bagunçar-lhe os longos cabelos negros. Seus olhos, amedrontados, saltavam rapidamente em todas as direções, sentia-se observada.
   Uma melodia ecoou atrás de si, a nova musica começara, o som dos galhos se quebrando unia-se a um dueto natural com o farfalhar das folhas e o assobiar do vento entre as árvores. Uma onda de calor surgiu atrás de si, a sua frente, as sombras dominaram o mundo. Virou-se. Pode observar com clareza as chamas lançadas ao ar, beijando as árvores e então descendo ao seu redor, como se numa estranha dança de vida e morte. O animal era gigantesco, as escamas brancas estavam levemente iluminadas pelo fogo que reluzia nas árvores, chamas de um azul intenso, quase vivo. O vento ficava mais forte a medida que as asas se agitavam e o animal descia dos céus à terra. A suavidade e rapidez de seus movimentos, deixou-os frente à frente, humana e dragão. O reflexo da pequena mulher jazia refletido perante a imensidão dourada dos olhos do animal. Silêncio. Até a natureza parecia aquietar-se. O dragão elevou a cabeça, chamas azuis dançaram no ar, cortando o céu. Quando as chamas novamente desceram ao solo, os olhares se encontraram, dragão e mulher, presos nos sentimentos um do outro. 
   As folhas rodopiavam levemente ao seu redor, "Mary Anne", a natureza se silenciara aos ouvidos da menina, "Mary Anne", o vento levava-lhe um leve sussurro, um segredo, "Anne", a menina fechou os olhos por um segundo e desatenta a tudo que acabara de acontecer, tentou concentrar-se apenas no doce som da voz que a chamava, então reconheceu-a. Abriu novamente os olhos, o sol nascia e onde antes estivera o grande animal albino, bem a sua frente, havia apenas um lago de águas calmas e cristalinas. Ficara ali parada por tanto tempo assim? Não, não podia ser. De onde viera aquela paisagem? Onde estava a floresta assombrada? Saíra da tempestade para a calmaria. "Mary Anne, por favor", algo chamou-lhe a atenção, as águas revelaram-lhe um novo reflexo, rapidamente elevou o olhar e pode vê-lo. 
    A brisa brincava-lhe com as roupas, puxando de leve a camisa de linho branco e a jaqueta de couro velho que usava, as roupas eram diferentes, estranhas, para Mary pareciam retiradas de algum velho livro de contos. Os cabelos, de um belo castanho claro, estavam bagunçados, movendo-se junto ao vento, exatamente como ela se lembrava. Porém, os olhos de um azul-escuro, quase negro, que revelavam sempre um brilho de confiança, os quais ela sempre conhecera e amara, agora estavam tristes e sem esperança, não era mais o mesmo garoto de antes, faltava-lhe algo, faltava-lhe alguém. "Len, não pode ser", sua voz saiu fraca demais, ele não a ouviu, Lennox apenas virou-se, afastando-se a passos largos, "Não, Len, não me deixe, não, de novo não", a voz de Mary desaparecera, mas os pensamentos gritavam, "Por favor, Len", as lágrimas corriam por seu lindo rosto, suas forças desapareceram repentinamente, a garota caiu na grama verde que lhe amparou com generosa delicadeza. Viu-o olhando para trás, seus lábios se movimentaram numa silenciosa despedida,"Adeus, pequena Anne". O mundo se tornou negro novamente. 
    Quando acordou, estava em seu quarto, deitada em sua macia e confortável cama, uma voz familiar a chamava, era sua mãe.       

domingo, 24 de novembro de 2013

Estatuto do deficiente

   A idealização de uma sociedade pode até ser vista como uma utopia, mas a busca pela minimização dos efeitos da discriminação populacional e da ignorância do governo acerca das necessidades dos cidadãos é algo palpável. São diversos os grupos de brasileiros que sofrem com tais efeitos, entretanto, destacam-se aqueles que são portadores de alguma necessidade especial e que são atingidos tanto pelo excessivo sentimentalismo das demais pessoas, que ora são dispostas de dó e compaixão e ora apresentam uma certa perversidade em suas palavras e olhares, quanto pela falta de estrutura física que o país dispõe para recebê-los.
   De acordo com a Constituição brasileira, cabe aos órgãos e as entidades do Poder Público assegurar às pessoas portadoras de deficiência o pleno exercício de seus direitos básicos, individuais e sociais.  Porém, o governo tem feito um verdadeiro exercício teatral a fim de alegar sua preocupação com tal parcela da população e mascarar o verdadeiro tratamento que estes deveriam receber. A construção de rampas em lugares públicos e  a exigência de vagas especiais para deficientes são bons projetos, mas tornam-se insuficientes sozinhos, uma vez que não suprem todas as necessidades específicas dos portadores de necessidades especiais.
   Um grande obstáculo que se opõe não somente ao cotidiano dos portadores de deficiência, mas também apresenta um risco a toda população, são as próprias calçadas brasileiras que, muitas vezes, encontram-se em péssimo estado: estreitas, desregulares e esburacadas. Mais uma vez, segundo a Constituição, todo cidadão brasileiro tem direito à liberdade, a qual compreende, entre outros aspectos, a faculdade de ir, vir e estar nos logradouros públicos e espaços comunitários, ressalvadas as restrições legais. Assim, percebe-se que este, nos dias atuais, tornou-se um direito de facilidade inacessível a todos. Então, será mesmo necessário que uma pessoa com deficiência espere pela ajuda de um terceiro, podendo ainda ter seu direito ao respeito transgredido, violando sua integridade física, psíquica e moral, ou o governo deveria disponibilizar recursos dignos para que estes cidadãos usufruam plenamente de seus direitos?
   Considera-se que ainda há um enorme caminho a ser percorrido para que a sociedade se torne realmente igualitária no quesito de acessibilidade aos direitos de um cidadão. Porém, cada passo é uma evolução, e ainda há muitos projetos a serem desenvolvidos e aplicados, tais como: impor, nos meios sociais, a leitura em braile para os deficientes visuais, disponibilizar de aulas para que a população aprenda a conversar na linguagem de libras, provisionar ônibus adaptados para cadeirantes e, especialmente, a criar novos melhores planos de saúde voltados para a reabilitação e integração social dessas pessoas.

segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Quando crescer, estica

   Até pouco tempo, acreditava-se que uma criança gordinha era sinônimo de uma criança saudável. Hoje em dia, entretanto, as crianças vem sofrendo com os elevados índices de sobrepeso. De acordo com os dados do IBGE, 34,8% das crianças brasileiras se enquadram no preocupante campo de obesidade infantil.
   As grandes causadoras do excesso de peso são, em segundo lugar, o novo estilo de vida baseado no sedentarismo, uma vez que as novas gerações não desejam as típicas brincadeiras de rua que exigem esforço físico para correr, pular e se esconder, contudo, preferem ficar dentro de casa com um vídeo game ou um bom computador. Em primeira posição, como grande causadora da obesidade, encontra-se, destacadamente, as mudanças dos hábitos alimentares. 
   Ainda de acordo com o IBGE, calcula-se que 89% desses pequenos brasileiros ingerem açucares e gorduras além do nível considerado saudável pelos médicos. Decerto que ainda há bordões muito comuns entre os familiares de crianças em sobrepeso, como "Quando crescer, estica", que revelam a inconsciência dos pais acerca de que a obesidade não só é incomum durante o desenvolvimento infantil, como também pode trazer diversos riscos a saúde, em outras palavras, doenças respiratórias e ortopédicas, colesterol alto, hipertensão arterial ou diabetes tipo dois.
   No entanto, a culpa acerca da obesidade dos pequenos não deve ser atribuída somente aos pais, obviamente que ainda há a necessidade de desmistificar o indícios restantes da velha cultura de que as crianças acima do peso estão bem alimentadas e saudáveis. Todavia, a responsabilidade por tais problemas de saúde nas crianças deve também ser atribuída ao governo, que não mantém uma fiscalização adequada nas escolas públicas para controlar os alimentos disponíveis nas cantinas, as áreas de lazer acessíveis para a interação desses  e as aulas de educação física, que devem ser mais práticas do que teóricas. 
   Em suma, também é necessário considerar as artimanhas da indústria alimentícia que usa da mídia para suprir suas necessidades de venda a um fácil alvo consumidor, neste caso, as crianças, que são facilmente levadas a desejar bolachas e salgadinhos de seus personagens favoritos. A regra desse comercio especifico é: convença as crianças a desejar, e elas convencerão os pais a comprar. Inquestionavelmente, o atual mundo capitalista faz com que pais e crianças sejam diariamente bombardeados com as poluições extremistas dos jogos de marketing, onde a venda e a compra se tornam mais importantes que a saúde da própria sociedade.

terça-feira, 22 de outubro de 2013

Terceira idade, uma sabedoria ignorada

   O estatuto do idoso foi organizado de modo a prever as necessidades para uma vida digna aos idosos na sociedade brasileira, ademais, com aumento da expectiva de vida das pessoas, essa atitude tem se tonado indispensável para a terceira idade. Em contraste com a realidade vivida por essa parcela da população, há o surgimento de um novo cenário de preconceito que, de uma certa maneira, afasta-os de uma participação ativa nos núcleos rotineiros da vida numa sociedade. Em suma, os idosos vem conquistado cada vez mais sua independência e, especialmente, seus direitos que, apesar de defendidos por lei, são frequentemente negligenciados e esquecidos.
   Em  pleno auge do modelo capitalista, as pessoas se acostumaram aos conceitos de individualismo e produtividade, buscando, na maior parte de seus negócios, apenas o benefício próprio, de modo que isso também vem sendo introduzido aos centros sociais. Os idosos, que antes ajudaram a construir o Brasil atual, agora são descartados por, supostamente, não apresentarem o mesmo vigor juvenil de anos passados, nem tendo, ao menos, as chances necessárias para demonstrar o contrário. Todos os dias, os idosos são isolados dos eixos de relações públicas, e até mesmo da formação de novos laços familiares.
   Logo, torna-se cada vez mais comum as notícias que revelam o abuso financeiro, o desrespeito e a violência física àqueles de idade avançada. A valorização do idoso deve começar com cuidados dentro de casa, porém não deve ser contida somente nas esferas familiares. O governo brasileiro também é responsável pelo bem-estar dos idosos, sendo de sua obrigação não apenas oferecer um adequado sistema de saúde pública,  mas também áreas de lazer, como academias ao ar livre e parques com segurança apropriada, assim como a promessa de uma rígida fiscalização quanto as adaptações do comercio e das casas institucionais que se prontificam a cuidar daqueles que pertencem a terceira idade. 
   Seja em casa, ou num asilo, seja no comercio que não oferece uma atenção qualificada para  o atendimento destes anciãos, numa vaga especial não respeita nos estacionamentos, ou na rede de saúde publica que não apresenta suporte suficiente para suprir as necessidades básicas de saúde, os idosos vem sendo desmerecidos de todo o tempo e esforço que utilizaram, em seu auge juvenil, para colaborar com a formação de uma sociedade justa e um ambiente familiar em equilíbrio. Decerto, o envelhecimento é inevitável, e as pessoas devem estar estruturadas para receber essa ordem natural.

segunda-feira, 7 de outubro de 2013

A força da mídia e a cultura do medo

  Atualmente, a mídia se tornou o maior e mais influente veículo de informações para a sociedade, tornando-se uma importante fonte de manipulação para aqueles que retém o seu comando. Ao longo de sua história, é possível observar o extremo uso do sensacionalismo para vencer a luta daqueles que buscam audiência e Ibope. Eis que, com tanto poderio em mãos, a cultura do medo tem se tornado uma tendência de escape, uma alienação da qual a mídia e suas parcerias conseguem retirar benefícios.
   A excessiva valorização de casos isolados de violência geram um déficit de atenção a problemas que realmente mereciam destaque, tais como a desigualdade social, a falta de educação ou saúde para todos. Nesse contexto, é perceptível que há uma ostentação midiática que, de maneira rápida e eficiente, alcança nossas inseguranças emocionais, assim, mesmo não sabendo qual a veracidade do que está sendo veiculado pela mídia, o público pode acreditar que o índice de criminalidade está aumentando e superestimar o medo de serem vítimas de crimes violentos.
   Todo jornalista sabe que crimes impetuosos são eventos raros e extraordinários, mas isso, na comparação com os demais crimes. Eis que, grande parte da mídia extrai sua audiência da dramatização de situações isoladas, como o assassinato em Realengo, ocorrido em 7 de abril de 2011, ou o caso de Eloá Cristina, o mais longo sequestro em cárcere privado já registrado pela polícia do estado brasileiro de São Paulo. Ambos os casos obtiveram enorme repercussão nacional, comovendo toda a população.
   É possível observar que realmente o Brasil apresenta um elevado grau de violência quanto ao quesito armas de fogo. O número de homicídios por tiros, no ano de 2010, chegou a um total de 36.792 vítimas. E de acordo com o Censo 2010, são cerca de 16,2 milhões de brasileiros que vivem em condições de extrema pobreza, eis que nessas circunstâncias pode-se observar a alienação gerada pela mídia para desviar a atenção da população dos reais e mais importantes problemas, e encontrando uma maneira de se beneficiar disso.  

terça-feira, 17 de setembro de 2013

Dar o peixe ou ensinar a pescar?

  O elevado número de brasileiros vivendo em condições de extrema pobreza gera impactos impossíveis de se ignorar. Segundo os dados do Censo 2010, divulgado pelo IBGE, são cerca de 16,2 milhões de brasileiros sobrevivendo apenas com uma renda mensal abaixo de R$70, aproximadamente, um pouco mais de R$2,00 diários. Portanto, que serviços o governo deve oferecer para essas pessoas e quais são as melhores medidas para gerar um "Brasil Sem Miséria"? 

  Pode-se perceber, apenas com uma análise parcial, que grande parte da pobreza no Brasil está atrelada a pouca escolaridade dos trabalhadores que, na grande maioria dos casos, são obrigados a aceitar trabalhos cujo rendimento é baixo e instável. A solução para erradicar ou ao menos amenizar essa situação pode parecer óbvia e tentadora: Investir em cursos profissionalizantes e numa melhora da qualidade de ensino no sistema de educação pública, além de gerar novos empregos direcionados a essa especifica e, muitas vezes, ignorada parcela da população. Aos olhos de muitas pessoas, a ideia de investir na educação e em gerar novas oportunidades de trabalhos é considerada bem mais sensata do que criar programas de transferência de renda,  e de gêneros semelhantes ao Bolsa Família.

   É bastante claro que, realmente, a sociedade brasileira merece melhores oportunidades para ascender socialmente e buscar melhorias em sua qualidade de vida. Entretanto, a grande questão não é apenas entender qual o grande causador da miséria brasileira, mas descobrir como aplicar a solução mais adequada. Visto que os investimentos na educação e na formação de trabalhadores especializadas são projetos feitos a longo prazo e que, até que consigam ser corretamente elaborados e aplicados, a melhor maneira de amenizar os impactos da pobreza é o oferecimento de programas sociais. Concluímos  então, que o melhor a fazer é dar o peixe enquanto ensinamos a pescar.

domingo, 21 de abril de 2013

Escolhidos

    Manhã de janeiro, o dia começara bem, nenhum sinal de chuva ou nuvens carregadas, o sol da manhã aquecia a alma e levantava os ânimos, enquanto uma leve brisa brincava com as águas do mar. Eu estava à proa daquele pequeno navio, com meu uniforme de capitão, apenas observando o embarque dos passageiros. Hoje seriam doze pessoas, uma tripulação um tanto diferente das que eu estava acostumado, visto que, sempre viajo com grupos de famílias ou amigos e, desta vez, os tripulantes mal se conheciam. Algo dentro de mim dizia que hoje o dia não seria bom, tentando convencer-me à adiar aquela viagem, porém, afastei tais pensamentos, concentrando-me, apenas, na rota que teríamos pela frente. 
    Primeira tarde juntos e eu já conhecia, de vista, toda a minha tripulação, cada um carregando suas próprias mágoas e fardos, não passavam de pessoas vazias, marcadas pelas angústias da vida, o mais triste é que eu era um deles. Nos olhares nada havia, exceto orgulho e tristeza, salvo aqueles pequenos olhos azuis, os mais vivos e alegres que eu já vi em toda minha vida, a dona deles, uma pequena e falante criança de oito anos, que dizia se chamar Rose. Talvez a única capaz de despertar a alegria nos demais, o que foi acontecendo, devagar, nas poucas oportunidades em que ela conseguia fugir da visão do pai e ir até as cabines ou ao convés, não importando quem fosse, ela teria intermináveis perguntas, e infinitos argumentos para fazer as pessoas sorrirem. Ela não se importava com a idade, cor, profissão ou passado de cada um, apenas queria vê-los felizes, era o pequeno anjo que alegrava aquele navio.
    A paz que a presença daquele anjo em forma de criança me trazia era algo inexplicável, porém, parece que a natureza, com todo seu egoísmo, não gosta de dividir sua ternura. A noite se aproximava, e aquela sensação ruim voltou a tomar conta de meus pensamentos, então, poucos minutos depois, o operário das máquinas surgiu na cabine, aqueles olhos cinza, que sempre demonstraram indiferença aos sentimentos, agora estavam tomados pelo medo, sua voz, tremula, revelava que algo estava errado: "Ca-ca-capitão, à-àgua, àgua, o casco, há um vazamento, a casa de máquinas não vai aguentar, o navio vai afundar, não temos mais que uma hora". Aquilo foi como uma facada em meu peito, não pelo navio, mas pelas vidas que se perderiam, havia somente um barco salva-vidas.    
    "Meu Deus, me ajude! O que farei agora? Droga, vidas estão em risco, oh, Senhor, me ajude!", foram os únicos pensamentos que ecoaram em minha mente, mas eu era o capitão daquele navio, deveria fazer algo, afinal, a falta de um barco salva-vidas era minha culpa. Mantive-me calmo e, por fim, consegui alinhar os pensamentos: "Vá você, operário, escolha os tripulantes mais fortes e experientes para lhe auxiliar com o barco, não estamos muito longe da costa, vão rápido e chamem ajuda, eu vou ficar e acalmar os demais.". Assim foi feito, ao longe, o barco salva-vidas ficava cada vez menor, se salvaram: um operário, um homossexual, um professor, um político, um cientista, um estudante universitário, e o pai de Rose.
     No navio, ficaram, além de mim, uma senhora de aproximadamente setenta anos, um paraplégico, um sacerdote, uma prostituta e nosso pequeno anjo, Rose. Todos estavam apreensivos, acolhidos no convés, o medo revelado em cada olhar. Escuta-se uma doce voz, uma criança falava: "Meu papai me disse uma vez que, quando morremos, nos tornamos estrelas, não tenho medo de ser uma estrelinha, por que vocês estão com tanto medo?", todos ficaram sem reação, uma criança conseguiu dizer algo que todos sabíamos, mas nenhum de nós queria admitir: Era o fim. Nuvens negras fecharam o céu, uma tempestade se aproximava, então, nos abraçamos, e ficamos ali, parados, em silêncio, procurando conforto nos braços um dos outros, raios caiam a nossa volta, aguardávamos o fim.

terça-feira, 16 de abril de 2013

Milhares de léguas

     Mais uma noite de sono mal dormida, os pesadelos estavam ficando cada vez mais frequentes, desta vez, sonhei com a morte, estava em um quarto mal iluminado, um corpo jazia suspenso no centro, eu me aproximei e consegui ver seu rosto, era um rapaz, jovem, com olhos cinza e sem vida, suas feições marcadas pela dor e pela tristeza, ao seu lado, encontrava-se um homem, alto, usava um capuz, de modo que escondia seu rosto as sombras, uma carta estava em suas mãos: “Queria me desculpar, vocês não tem culpa de nada. Eu estava sozinho e só vinha esse pensamento de morte. Eu não queria fazer isso, mas era uma tentação terrível em mim. Perdoem-me”, não consegui ler o nome que assinava o bilhete.
     Manhã de segunda-feira, um dos dias mais depressivos da semana e, lá estava eu, no ponto, esperando o ônibus que, para minha angústia, demorava a aproximar-se. Não queria chegar atrasada na universidade, então, olhava nervosamente para o relógio, com a inútil esperança de que isso fosse apressar o motorista. Estava ali à apenas alguns minutos, o sol começara a nascer, até que, finalmente, ouço um barulho ao longe, o circular apareceu no final da rua. A porta do ônibus se abriu e um homem, que me parecia estranhamente familiar, desceu. Poucas pessoas circulavam tão cedo, de modo que o ônibus estava vazio. 
     Distraída, algo chamou minha atenção, um livro, abandonado sobre o banco. Aquilo despertou minha curiosidade, olhei em volta, ninguém parecia ser o proprietário daquelas poucas páginas encadernadas, peguei-o e comecei a folheá-lo, um poema estava claramente destacado: Despedindo-se de um amigo, de Erza Pound.  Li atentamente cada estrofe, tentando entender porque alguém destacaria com tamanho cuidado aquele poema em especial. Assim que passei os olhos pelo ultimo verso, uma brisa mais forte entrou pela janela, virando algumas páginas e revelando um pequeno bilhete, assinado por um tal de Fausto, que pedia ao amigo que não cometesse nenhuma besteira e pensasse em todas as pessoas que o amava. Não tive tempo de refletir mais, meu ponto havia chegado, estava cheia de perguntas, então, movida pela curiosidade, levei o livro.
     A péssima noite de sono veio cobrar suas dívidas durante as aulas, fiquei muito grata por, finalmente, ter acabado. O ônibus só passaria daqui uma hora, tinha tempo o bastante para analisar o livro, peguei-o novamente e, dessa vez, percebi algo novo: A primeira página recebia um carimbo, que já estava desgastado com o tempo, mas era um símbolo inconfundível, o livro fora retirado da biblioteca da universidade! Rapidamente procurei a bibliotecária, dona Odete, uma senhora muito simpática, que certamente me ajudaria. 
     "Lamento, querida, mas esteve livro foi retirado há exatamente um ano atrás, 13 de janeiro de 1998, por um ex-aluno, Fausto Oliveira", aquela doce voz ecoou em meus ouvidos, e um aperto em minha consciência a acompanhou, muita coisa poderia ter mudado em um ano, acredito que minha expressão deve ter demonstrado minha agonia pois aquela senhora me olhava com preocupação: "Há algo que queira me contar, pequena?" E eu contei, disse-lhe tudo, o sonho, o livro, o bilhete, tudo. Ela apenas escutou e, ao final, levantou-se, colocou a mão em meu rosto, e saiu, quando voltou trazia um jornal, entregou-me com olhos tristes, então disse: "18 de janeiro, Rodrigo, ex-aluno e meu neto, tirou a própria vida, enforcando-se em seu apartamento. Fausto, foi quem encontrou o corpo", lágrimas escorriam em seus olhos, ela respirou fundo, dando uma pequena pausa, como quem não aguentava mais continuar aquela conversa: "O jornal que lhe entreguei, a matéria principal traz detalhes da época, se quiser, pode ficar com ele..", então, ela foi embora.
     Voltei para casa, meus pensamentos retornavam no tempo, não sabia o que dizer, nunca me aproximei tanto da morte. Nunca sofri esse tipo de perda e, sempre que ouvia ou lia algo parecido, eram de pessoas que eu nunca conheci, não tinha nenhum tipo de afeto, mas, apesar de nunca ter encontrado esse rapaz, eu chorei, lamentei pelo sofrimento que vi nos olhos daquela senhora.  E fiquei ali, deitada, até adormecer, desta vez, não sonhei.     

quinta-feira, 11 de abril de 2013

Lua


     As luzes do apartamento estavam apagadas, a pouca iluminação vinha da televisão muda, eu estava deitado no sofá, pensando em meus futuros atos. Uma brisa suave entrou pela janela, a sala pareceu ficar mais fria e um arrepio rápido percorreu todo meu corpo. Estava na hora, peguei uma jaqueta qualquer e saí, não queria me atrasar. O restaurante em que marcamos ficava a poucos quarteirões do meu prédio, resolvi ir andando. A lua destacava-se, cheia, no céu negro, parecia ter um tom avermelhado, o que me trouxe boas lembranças. As ruas estavam desertas e, algumas, pouco iluminadas, meus passos alternavam, ora lentos demais, ora rápidos demais. Uma garoa fina começou a cair, completando a cena depressiva e melancólica em que eu estava, tudo indicava que seria uma noite fria, e algo me dizia que também seria longa e inesquecível.
     A garoa havia parado, uma leve neblina tomara seu lugar. Estava numa rua mal iluminada, várias árvores compunham o cenário, de longe, podia se ouvir o farfalhar das folhas. Fechei os olhos por um instante, um vento aconchegante soprou em meu rosto e, novamente, um arrepio percorreu meu corpo, afastei todos os pensamentos, todo o passado que pesava sobre meus ombros e, por poucos segundos, senti-me limpo, como não me sentia há muito tempo. Mas, as mágoas me lembraram de como minhas mãos eram sujas, e que não merecia aquele momento de paz, tinha planos a cumprir, abri os olhos novamente. Alguém caminhava em minha direção, era ela, Angel, minha atual namorada. A pouca luz deixava aquele rosto delicado ainda mais bonito, o vento parecia brincar com seus longos cabelos castanhos, enquanto um sorriso tímido surgia em seus lábios, ela se aproximou e olhou em meus olhos, ah, aqueles olhos verdes,  tão lindos, resplandeciam toda sua inocência.
    "Porque meu amor está aqui, numa rua deserta, caminhando tão solitário e tristonho?" ela perguntou, soltando uma pequena risada. Eu nada podia fazer, se não, entrar naquela brincadeira infantil, "Estava indo encontrar minha pequena, mas, parece que ela me achou primeiro", respondi, com sorriso forçado, fingindo ser um bobo apaixonado. "Mô, o restaurante tá fechado,  e agora?", ouvi aquela doce voz novamente. Droga, tudo estava planejado, agora, não seria possível seguir meus planos, mas, pensaria em algo mais tarde, por enquanto, apenas sorri e disse: "Ah, tenho uma ideia, então, que tal irmos para meu apartamento? Podemos pedir uma pizza, que tal?", ela apenas assentiu com a cabeça. O caminho até meu apartamento foi rápido, andávamos de mãos dadas, em silêncio, e com passos largos.
     Assim que entramos, levei-a até a varanda, com a desculpa de observarmos as estrelas, eu precisava ganhar tempo, precisava pensar em algo rápido. "Está chuviscando, de novo, a noite parece tão triste hoje, nem há estrelas no céu... Bem, a mesma pizza de sempre, meu amor?", enquanto Angel falava, um estalo veio em minha mente, já sabia o que fazer, "A mesma de sempre, pequena..", respirei fundo, pensando com cuidado no que iria dizer, enquanto andava em  sua direção, "Sabe, uma vez um amigo me contou que, às vezes, a lua fica nessa cor, meio avermelhada, em memória do sangue de vítimas inocentes, mas, eu nunca entendi porque a lua faria isso, afinal, todos somos culpados, e a única coisa que temos em comum é a morte..", quando ela percebeu já era tarde demais, minhas mãos estavam envoltas em seu pescoço e sua boca, ela se debatia com força e tentava gritar, mas, dessa vez fora ainda mais fácil do que com a anterior, era a terceira morte só esse mês. Em pouco tempo ela parou, desistiu da vida, talvez uma boa escolha, mas, prefiro quando elas lutam ou gritam, a emoção é maior. Beijei aqueles lábios já sem vida, “Bons sonhos, meu amor”, foram minhas últimas palavras para ela.

terça-feira, 5 de março de 2013

Olhar assassino


      A luz da manhã entrava pela janela,acompanhada de uma leve brisa que parecia brincar com as cortinas do quarto. Eujá estava acordado há um tempo, na verdade, nem sabia se havia dormido, nosilêncio da noite os pesadelos costumam se confundir com a realidade efazem-nos perder a ideia do tempo. Desde o meu ultimo caso, há três meses, elame assombrava, uma criatura desfigurada pedindo por ajuda e por vingança. Todasas noites eu tinha um encontro com a morte, assim que fechava os olhos, elaaparecia na forma de uma mulher, que um dia fora minha esposa e única alegria. Sequestradapor vingança, torturada por causa de meu trabalho, e morta por meu medo deperdê-la. Um arrepio percorreu meu corpo, então, afastei os pensamentos, apenasme levantei, algum dia teria que voltar ao escritório e buscar minhas coisas,já fugi por muito tempo.
     Estava muito nervoso, sabia que voltaràquele lugar só abriria ainda mais a minha ferida, porém, algum dia teria defazê-lo. Meus passos estavam desregulares, ora lentos demais, ora rápidosdemais. Estava distraído em minhas lembranças, e assustei-me quando uma senhorasegurou meu braço e entregou-me um pedaço de jornal velho, um único texto, de trêsmeses atrás: “Cruelmente assassinada, corpo da mulher é deixado em frente aoescritório do marido”, estava sem reação, no verso do papel também havia algo escrito,uma letra bem desenhada que dizia: “O passado volta ao presente, e esseresolverá o futuro. Não recuse ajuda ao menino, e ele lhe aliviará o fardo”, nãoconsegui ver o rosto da senhora, também não tentei procurá-la, apenas volteipara casa, aquilo já fora o suficiente para remoer minhas mágoas. 
     Fiquei o resto da tarde segurando aquelepedaço de jornal, não tinha coragem para rasgá-lo, mas também não estavapreparado pra lê-lo.  Fiquei ali, parado,até escurecer, a hora do meu encontro estava chegando, fui para o quarto edeitei-me, esperava não sonhar essa noite, apenas fechei os olhos, e comesperança, adormeci. Então, lá estava eu, dentro do escritório, procurando maisinformações que pudessem levar ao paradeiro de minha amada, que há três diasestava desaparecida, arrumei os papeis do caso dentro de uma maleta, peguei meucasaco, tranquei as portas e desci, já estava escuro, e a rua estava deserta,no caminho, vi um homem estranho, com um sobretudo e uma mala, não me importei,mas esse foi meu maior erro, vi àqueles olhos novamente: azuis, frios e semvida, acompanhando com apreensão  cadamovimento meu. Já era manhã, eu voltava para o prédio em busca de novasinformações, uma movimentação estranha, a polícia estava lá, todos me olhavam, meuscolegas de trabalho tentavam dizer algo, mas eu não conseguia ouvi-los, entãoeu vi, um corpo ensanguentado, com violentas marcas que revelavam o sofrimentoantes da morte, em seus olhos havia apenas dois buracos negros, mas sua boca semovia num silencioso “eu te amo”.
     Acordei com meu celular tocando, era umantigo colega de trabalho: “Dorisgleison, você está no caso, precisamos de uminvestigador, o único filho da família Wolves foi sequestrado”, talvez o velhoinstinto de investigador tenha se despertado por alguns minutos, o que fez comque eu aceitasse o caso, apenas com a condição de trabalhar no meu apartamento,sem visitas ao escritório. Durante a tarde, me trouxeram as informações sobre ocaso, ao que parece, o menino tinha apenas 12 anos, era uma criança prodígio, ea última vez que o viram foi há dois dias, quando saiu com o motorista para irà escola. Analisei as informações e, enquanto esperava por novas notícias, umafrase permanecia em meus pensamentos: “O passado volta ao presente, e esseresolverá o futuro”, talvez fosse bobeira, apenas mais uma brincadeira de maugosto, mas, mesmo assim, aquilo me incomodava.
     Quatro da manhã, já estava acordado,recebi uma mensagem no celular, uma foto de um bilhete feito com recortes dejornal, dizia o seguinte: “Seu filho está em nosso poder. Se quiser o menino devolta, siga as instruções. Ponha 500 mil dólares numa mala preta e deixe atrásda banca de jornal da estação de trem às 10:50. Pegue o trem das 11:00. Seficar alguém vigiando a mala, o menino morre!”. 
     O pai do garoto era dono de umaempresa milionária de cosméticos, porém não tinha o rosto divulgado pela mídia,poucos conheciam suas feições, de modo que outra pessoa poderia ocupar o seulugar. Assim que aceitei o caso, resolvi que estava disposto a fazer de tudopara salvar o menino. 10:50h da manhã, a estação estava movimentada, eu usavaum terno desconfortável e segurava a preciosa maleta com 500 mil dólares epequenos rastreadores, disfarçadamente fui até a banca, peguei uma revistaqualquer e fui até o caixa, a dona da banca parecia saber o que acontecia ali,não parecia suspeita, mas havia algo estranho nela. Assim que me virei, ouvi-ladizer “Fico feliz que tenha me escutado, lembre-se de meu nome, quandoencontrar o menino, Fátima Zoraide”. Deixei a mala no local combinado, entãoentrei no trem das 11h, uma voz atrás de mim disse para descer na últimaestação, não consegui ver quem o disse, mas o fiz. A última estação estavadeserta, poucas pessoas passavam por ali àquela hora, uma mulher me chamou elevou-me até um carro, a partir daí não vi mais nada, quando acordei estavanuma sala escura, havia um menino comigo. Era possível ouvir vozes, mas nãoconseguia identificá-las, levantei-me, buscava algo para usar como arma, ou umasaída daquele lugar, não encontrei nada.
     Não sabia quanto tempo estávamos ali, ogaroto permanecia imóvel, calado, tentei conversar com ele, mas a únicaresposta que obtive foi seu nome, P.C Júnior. Então, alguém abriu bruscamente aporta, um homem, com frios olhos azuis, os mesmos olhos que vi na noiteanterior ao aparecimento do cadáver. Ele estava sozinho, porém, armado. Segurouo menino e mandou que eu os seguisse, se tentasse qualquer gracinha, mataria ogaroto. Estamos numa trilha, ao longe, um som que eu conhecia muito bem, esignificava ajuda, policiais estavam perto. Não sei o que aconteceu ao certo,só sei que lutava com aquele misterioso e cruel assassino, enquanto gritavapara Júnior correr, e foi o que ele fez, fugiu, seguindo o som das sirenes. Umador insuportável invadiu meu corpo, sangue escorria de minha barriga, a facabrilhava, vermelha, na mão daquele homem, enquanto um sorriso branco surgia emseu rosto. Sabia que minha hora estava chegando, mas, não morreria sem vingarminha esposa, precisava de uma arma. Então, pela primeira vez na vida, minhaspreces foram atendidas, durante a luta a arma devia ter caído, e estava àalguns metros de mim, o assassino estava indo embora, não sei como, mas atirei.Assim que vi seu corpo caindo, soube que agora poderia dormir, desta vez semsonhos, minha hora havia chegado.