terça-feira, 16 de abril de 2013

Milhares de léguas

     Mais uma noite de sono mal dormida, os pesadelos estavam ficando cada vez mais frequentes, desta vez, sonhei com a morte, estava em um quarto mal iluminado, um corpo jazia suspenso no centro, eu me aproximei e consegui ver seu rosto, era um rapaz, jovem, com olhos cinza e sem vida, suas feições marcadas pela dor e pela tristeza, ao seu lado, encontrava-se um homem, alto, usava um capuz, de modo que escondia seu rosto as sombras, uma carta estava em suas mãos: “Queria me desculpar, vocês não tem culpa de nada. Eu estava sozinho e só vinha esse pensamento de morte. Eu não queria fazer isso, mas era uma tentação terrível em mim. Perdoem-me”, não consegui ler o nome que assinava o bilhete.
     Manhã de segunda-feira, um dos dias mais depressivos da semana e, lá estava eu, no ponto, esperando o ônibus que, para minha angústia, demorava a aproximar-se. Não queria chegar atrasada na universidade, então, olhava nervosamente para o relógio, com a inútil esperança de que isso fosse apressar o motorista. Estava ali à apenas alguns minutos, o sol começara a nascer, até que, finalmente, ouço um barulho ao longe, o circular apareceu no final da rua. A porta do ônibus se abriu e um homem, que me parecia estranhamente familiar, desceu. Poucas pessoas circulavam tão cedo, de modo que o ônibus estava vazio. 
     Distraída, algo chamou minha atenção, um livro, abandonado sobre o banco. Aquilo despertou minha curiosidade, olhei em volta, ninguém parecia ser o proprietário daquelas poucas páginas encadernadas, peguei-o e comecei a folheá-lo, um poema estava claramente destacado: Despedindo-se de um amigo, de Erza Pound.  Li atentamente cada estrofe, tentando entender porque alguém destacaria com tamanho cuidado aquele poema em especial. Assim que passei os olhos pelo ultimo verso, uma brisa mais forte entrou pela janela, virando algumas páginas e revelando um pequeno bilhete, assinado por um tal de Fausto, que pedia ao amigo que não cometesse nenhuma besteira e pensasse em todas as pessoas que o amava. Não tive tempo de refletir mais, meu ponto havia chegado, estava cheia de perguntas, então, movida pela curiosidade, levei o livro.
     A péssima noite de sono veio cobrar suas dívidas durante as aulas, fiquei muito grata por, finalmente, ter acabado. O ônibus só passaria daqui uma hora, tinha tempo o bastante para analisar o livro, peguei-o novamente e, dessa vez, percebi algo novo: A primeira página recebia um carimbo, que já estava desgastado com o tempo, mas era um símbolo inconfundível, o livro fora retirado da biblioteca da universidade! Rapidamente procurei a bibliotecária, dona Odete, uma senhora muito simpática, que certamente me ajudaria. 
     "Lamento, querida, mas esteve livro foi retirado há exatamente um ano atrás, 13 de janeiro de 1998, por um ex-aluno, Fausto Oliveira", aquela doce voz ecoou em meus ouvidos, e um aperto em minha consciência a acompanhou, muita coisa poderia ter mudado em um ano, acredito que minha expressão deve ter demonstrado minha agonia pois aquela senhora me olhava com preocupação: "Há algo que queira me contar, pequena?" E eu contei, disse-lhe tudo, o sonho, o livro, o bilhete, tudo. Ela apenas escutou e, ao final, levantou-se, colocou a mão em meu rosto, e saiu, quando voltou trazia um jornal, entregou-me com olhos tristes, então disse: "18 de janeiro, Rodrigo, ex-aluno e meu neto, tirou a própria vida, enforcando-se em seu apartamento. Fausto, foi quem encontrou o corpo", lágrimas escorriam em seus olhos, ela respirou fundo, dando uma pequena pausa, como quem não aguentava mais continuar aquela conversa: "O jornal que lhe entreguei, a matéria principal traz detalhes da época, se quiser, pode ficar com ele..", então, ela foi embora.
     Voltei para casa, meus pensamentos retornavam no tempo, não sabia o que dizer, nunca me aproximei tanto da morte. Nunca sofri esse tipo de perda e, sempre que ouvia ou lia algo parecido, eram de pessoas que eu nunca conheci, não tinha nenhum tipo de afeto, mas, apesar de nunca ter encontrado esse rapaz, eu chorei, lamentei pelo sofrimento que vi nos olhos daquela senhora.  E fiquei ali, deitada, até adormecer, desta vez, não sonhei.     

Um comentário:

  1. Como você pode escrever tão bem?.... Mds !!!.....Apaixonei <3

    ResponderExcluir