Manhã de janeiro, o dia começara bem, nenhum sinal de chuva ou nuvens carregadas, o sol da manhã aquecia a alma e levantava os ânimos, enquanto uma leve brisa brincava com as águas do mar. Eu estava à proa daquele pequeno navio, com meu uniforme de capitão, apenas observando o embarque dos passageiros. Hoje seriam doze pessoas, uma tripulação um tanto diferente das que eu estava acostumado, visto que, sempre viajo com grupos de famílias ou amigos e, desta vez, os tripulantes mal se conheciam. Algo dentro de mim dizia que hoje o dia não seria bom, tentando convencer-me à adiar aquela viagem, porém, afastei tais pensamentos, concentrando-me, apenas, na rota que teríamos pela frente.
Primeira tarde juntos e eu já conhecia, de vista, toda a minha tripulação, cada um carregando suas próprias mágoas e fardos, não passavam de pessoas vazias, marcadas pelas angústias da vida, o mais triste é que eu era um deles. Nos olhares nada havia, exceto orgulho e tristeza, salvo aqueles pequenos olhos azuis, os mais vivos e alegres que eu já vi em toda minha vida, a dona deles, uma pequena e falante criança de oito anos, que dizia se chamar Rose. Talvez a única capaz de despertar a alegria nos demais, o que foi acontecendo, devagar, nas poucas oportunidades em que ela conseguia fugir da visão do pai e ir até as cabines ou ao convés, não importando quem fosse, ela teria intermináveis perguntas, e infinitos argumentos para fazer as pessoas sorrirem. Ela não se importava com a idade, cor, profissão ou passado de cada um, apenas queria vê-los felizes, era o pequeno anjo que alegrava aquele navio.
A paz que a presença daquele anjo em forma de criança me trazia era algo inexplicável, porém, parece que a natureza, com todo seu egoísmo, não gosta de dividir sua ternura. A noite se aproximava, e aquela sensação ruim voltou a tomar conta de meus pensamentos, então, poucos minutos depois, o operário das máquinas surgiu na cabine, aqueles olhos cinza, que sempre demonstraram indiferença aos sentimentos, agora estavam tomados pelo medo, sua voz, tremula, revelava que algo estava errado: "Ca-ca-capitão, à-àgua, àgua, o casco, há um vazamento, a casa de máquinas não vai aguentar, o navio vai afundar, não temos mais que uma hora". Aquilo foi como uma facada em meu peito, não pelo navio, mas pelas vidas que se perderiam, havia somente um barco salva-vidas.
"Meu Deus, me ajude! O que farei agora? Droga, vidas estão em risco, oh, Senhor, me ajude!", foram os únicos pensamentos que ecoaram em minha mente, mas eu era o capitão daquele navio, deveria fazer algo, afinal, a falta de um barco salva-vidas era minha culpa. Mantive-me calmo e, por fim, consegui alinhar os pensamentos: "Vá você, operário, escolha os tripulantes mais fortes e experientes para lhe auxiliar com o barco, não estamos muito longe da costa, vão rápido e chamem ajuda, eu vou ficar e acalmar os demais.". Assim foi feito, ao longe, o barco salva-vidas ficava cada vez menor, se salvaram: um operário, um homossexual, um professor, um político, um cientista, um estudante universitário, e o pai de Rose.
No navio, ficaram, além de mim, uma senhora de aproximadamente setenta anos, um paraplégico, um sacerdote, uma prostituta e nosso pequeno anjo, Rose. Todos estavam apreensivos, acolhidos no convés, o medo revelado em cada olhar. Escuta-se uma doce voz, uma criança falava: "Meu papai me disse uma vez que, quando morremos, nos tornamos estrelas, não tenho medo de ser uma estrelinha, por que vocês estão com tanto medo?", todos ficaram sem reação, uma criança conseguiu dizer algo que todos sabíamos, mas nenhum de nós queria admitir: Era o fim. Nuvens negras fecharam o céu, uma tempestade se aproximava, então, nos abraçamos, e ficamos ali, parados, em silêncio, procurando conforto nos braços um dos outros, raios caiam a nossa volta, aguardávamos o fim.

