terça-feira, 5 de março de 2013

Olhar assassino


      A luz da manhã entrava pela janela,acompanhada de uma leve brisa que parecia brincar com as cortinas do quarto. Eujá estava acordado há um tempo, na verdade, nem sabia se havia dormido, nosilêncio da noite os pesadelos costumam se confundir com a realidade efazem-nos perder a ideia do tempo. Desde o meu ultimo caso, há três meses, elame assombrava, uma criatura desfigurada pedindo por ajuda e por vingança. Todasas noites eu tinha um encontro com a morte, assim que fechava os olhos, elaaparecia na forma de uma mulher, que um dia fora minha esposa e única alegria. Sequestradapor vingança, torturada por causa de meu trabalho, e morta por meu medo deperdê-la. Um arrepio percorreu meu corpo, então, afastei os pensamentos, apenasme levantei, algum dia teria que voltar ao escritório e buscar minhas coisas,já fugi por muito tempo.
     Estava muito nervoso, sabia que voltaràquele lugar só abriria ainda mais a minha ferida, porém, algum dia teria defazê-lo. Meus passos estavam desregulares, ora lentos demais, ora rápidosdemais. Estava distraído em minhas lembranças, e assustei-me quando uma senhorasegurou meu braço e entregou-me um pedaço de jornal velho, um único texto, de trêsmeses atrás: “Cruelmente assassinada, corpo da mulher é deixado em frente aoescritório do marido”, estava sem reação, no verso do papel também havia algo escrito,uma letra bem desenhada que dizia: “O passado volta ao presente, e esseresolverá o futuro. Não recuse ajuda ao menino, e ele lhe aliviará o fardo”, nãoconsegui ver o rosto da senhora, também não tentei procurá-la, apenas volteipara casa, aquilo já fora o suficiente para remoer minhas mágoas. 
     Fiquei o resto da tarde segurando aquelepedaço de jornal, não tinha coragem para rasgá-lo, mas também não estavapreparado pra lê-lo.  Fiquei ali, parado,até escurecer, a hora do meu encontro estava chegando, fui para o quarto edeitei-me, esperava não sonhar essa noite, apenas fechei os olhos, e comesperança, adormeci. Então, lá estava eu, dentro do escritório, procurando maisinformações que pudessem levar ao paradeiro de minha amada, que há três diasestava desaparecida, arrumei os papeis do caso dentro de uma maleta, peguei meucasaco, tranquei as portas e desci, já estava escuro, e a rua estava deserta,no caminho, vi um homem estranho, com um sobretudo e uma mala, não me importei,mas esse foi meu maior erro, vi àqueles olhos novamente: azuis, frios e semvida, acompanhando com apreensão  cadamovimento meu. Já era manhã, eu voltava para o prédio em busca de novasinformações, uma movimentação estranha, a polícia estava lá, todos me olhavam, meuscolegas de trabalho tentavam dizer algo, mas eu não conseguia ouvi-los, entãoeu vi, um corpo ensanguentado, com violentas marcas que revelavam o sofrimentoantes da morte, em seus olhos havia apenas dois buracos negros, mas sua boca semovia num silencioso “eu te amo”.
     Acordei com meu celular tocando, era umantigo colega de trabalho: “Dorisgleison, você está no caso, precisamos de uminvestigador, o único filho da família Wolves foi sequestrado”, talvez o velhoinstinto de investigador tenha se despertado por alguns minutos, o que fez comque eu aceitasse o caso, apenas com a condição de trabalhar no meu apartamento,sem visitas ao escritório. Durante a tarde, me trouxeram as informações sobre ocaso, ao que parece, o menino tinha apenas 12 anos, era uma criança prodígio, ea última vez que o viram foi há dois dias, quando saiu com o motorista para irà escola. Analisei as informações e, enquanto esperava por novas notícias, umafrase permanecia em meus pensamentos: “O passado volta ao presente, e esseresolverá o futuro”, talvez fosse bobeira, apenas mais uma brincadeira de maugosto, mas, mesmo assim, aquilo me incomodava.
     Quatro da manhã, já estava acordado,recebi uma mensagem no celular, uma foto de um bilhete feito com recortes dejornal, dizia o seguinte: “Seu filho está em nosso poder. Se quiser o menino devolta, siga as instruções. Ponha 500 mil dólares numa mala preta e deixe atrásda banca de jornal da estação de trem às 10:50. Pegue o trem das 11:00. Seficar alguém vigiando a mala, o menino morre!”. 
     O pai do garoto era dono de umaempresa milionária de cosméticos, porém não tinha o rosto divulgado pela mídia,poucos conheciam suas feições, de modo que outra pessoa poderia ocupar o seulugar. Assim que aceitei o caso, resolvi que estava disposto a fazer de tudopara salvar o menino. 10:50h da manhã, a estação estava movimentada, eu usavaum terno desconfortável e segurava a preciosa maleta com 500 mil dólares epequenos rastreadores, disfarçadamente fui até a banca, peguei uma revistaqualquer e fui até o caixa, a dona da banca parecia saber o que acontecia ali,não parecia suspeita, mas havia algo estranho nela. Assim que me virei, ouvi-ladizer “Fico feliz que tenha me escutado, lembre-se de meu nome, quandoencontrar o menino, Fátima Zoraide”. Deixei a mala no local combinado, entãoentrei no trem das 11h, uma voz atrás de mim disse para descer na últimaestação, não consegui ver quem o disse, mas o fiz. A última estação estavadeserta, poucas pessoas passavam por ali àquela hora, uma mulher me chamou elevou-me até um carro, a partir daí não vi mais nada, quando acordei estavanuma sala escura, havia um menino comigo. Era possível ouvir vozes, mas nãoconseguia identificá-las, levantei-me, buscava algo para usar como arma, ou umasaída daquele lugar, não encontrei nada.
     Não sabia quanto tempo estávamos ali, ogaroto permanecia imóvel, calado, tentei conversar com ele, mas a únicaresposta que obtive foi seu nome, P.C Júnior. Então, alguém abriu bruscamente aporta, um homem, com frios olhos azuis, os mesmos olhos que vi na noiteanterior ao aparecimento do cadáver. Ele estava sozinho, porém, armado. Segurouo menino e mandou que eu os seguisse, se tentasse qualquer gracinha, mataria ogaroto. Estamos numa trilha, ao longe, um som que eu conhecia muito bem, esignificava ajuda, policiais estavam perto. Não sei o que aconteceu ao certo,só sei que lutava com aquele misterioso e cruel assassino, enquanto gritavapara Júnior correr, e foi o que ele fez, fugiu, seguindo o som das sirenes. Umador insuportável invadiu meu corpo, sangue escorria de minha barriga, a facabrilhava, vermelha, na mão daquele homem, enquanto um sorriso branco surgia emseu rosto. Sabia que minha hora estava chegando, mas, não morreria sem vingarminha esposa, precisava de uma arma. Então, pela primeira vez na vida, minhaspreces foram atendidas, durante a luta a arma devia ter caído, e estava àalguns metros de mim, o assassino estava indo embora, não sei como, mas atirei.Assim que vi seu corpo caindo, soube que agora poderia dormir, desta vez semsonhos, minha hora havia chegado.